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Jurisprudência Registral e Notarial

Sérgio Jacomino, org

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Compra e venda. Nulidade do título - vício intrínseco. Matrícula - bloqueio administrativo - cancelamento.

1082632-28.2021.8.26.0100
São Paulo 09/05/2023 12/05/2023
Fernando Antônio Torres Garcia
Indefinido
LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 214
LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 216
LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 252

Recurso administrativo – Pedido de Providências – inexistência de nulidade de pleno direito – inteligência do art. 214 da Lei nº 6.015/73 – registro que goza de presunção de validade e legalidade – art. 252 da Lei de Registros Públicos – bloqueio da matrícula que não pode persistir na esfera administrativa e deverá ser perquirido na via jurisdicional adequada – parecer pelo não provimento do recurso.

íntegra

PROCESSO Nº 1082632-28.2021.8.26.0100 - SÃO PAULO - SAULO AUGUSTO BACHA GONÇALVES e OUTROS. ADV: MANOEL GUSTAVO DE SOUSA BATISTA, OAB/SP 250.481. - (147/2023-E) - DJE DE 12.5.2023, p. 26.

RECURSO ADMINISTRATIVO – PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DE PLENO DIREITO – INTELIGÊNCIA DO ART. 214 DA LEI Nº 6.015/73 – REGISTRO QUE GOZA DE PRESUNÇÃO DE VALIDADE E LEGALIDADE – ART. 252 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS – BLOQUEIO DA MATRÍCULA QUE NÃO PODE PERSISTIR NA ESFERA ADMINISTRATIVA E DEVERÁ SER PERQUIRIDO NA VIA JURISDICIONAL ADEQUADA – PARECER PELO NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso administrativo interposto por Saulo Augusto Bacha Gonçalves e outros contra a r. sentença de fls. 113/115, proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 6º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que julgou improcedente o pedido de providências e determinou o cancelamento do bloqueio administrativo junto à matrícula nº 20.900.

Aduzem os recorrentes, em suma, que o bloqueio administrativo deve ser mantido junto à matrícula nº 20.900 ante a existência de registro nulo de pleno direito decorrente de escritura pública eivada de falsidade (fls. 128/135).

A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 154/158).

É o que importa relatar.

Opino.

Cuida-se de pedido de providências inaugurado a partir de ofício encaminhado pelo 6º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital noticiando a apresentação de dois títulos contraditórios após o registro, em 06 de janeiro de 2021, sob nº R.05 de escritura pública de venda e compra em que consta como outorgante vendedora a Senhora Luiza Assumpção Gonçalves e outorgado comprador o Senhor Francisco Coimbra.

Certidão expedida pelo Cartório de Palmatória, Município e Comarca de Itapiúna, Estado do Ceará, certificava que dita escritura havia sido lavrada perante aquela serventia no dia 08/12/1980. Referida certidão foi expedida e assinada pelo Tabelião Substituto, Sr. Jarly Marques Santana (fls. 13/14).

Em 21/07/2021, pela prenotação nº 747087, ingressou na serventia escritura pública de venda e compra, lavrada em 06/07/2021 pelo 4º Tabelião de Notas de São Bernardo do Campo-SP, em que Francisco Coimbra alienou o imóvel em tela para Carlos Alberto Silvério e sua esposa (fls. 35/45).

Em 27/07/2021, pela prenotação 747557, ingressou no Ofício de Registro de Imóveis escritura pública de venda e compra lavrada em 12/07/2021 pelo 12º Tabelião de Notas da Comarca da Capital, noticiando que Francisco teria vendido o imóvel novamente, para outra pessoa, no caso José Roberto Boscaratto Filho e sua esposa (fls. 47/50).

Diante da situação atípica e com aparente fraude pela venda em duplicidade, cuidou o Oficial de realizar diligência ao local do imóvel. Posteriormente, conseguiu contato com familiares da proprietária tabular, Senhora Luiza Assumpção Gonçalves, atualmente falecida, que informaram que ela nunca residiu no Ceará e não alienou o bem em vida.

Comunicou o Senhor Oficial os fatos à autoridade policial, com notícia de que o responsável anterior pelo Tabelião de Notas de Palmatória estava sob investigação, sendo que não localizava, em seus livros, a escritura registrada sob R.5/20.900.

Ao final, pugna pela apreciação da pretensão manifestada pelo herdeiro da Senhora Luiza Assumpção Gonçalves, Senhor Saulo Augusto Bacha Gonçalves, sobre a possibilidade de bloqueio da matrícula, com fundamento no art. 214, §3º da Lei nº 6.015/73.

Submetido o pedido de providências à MM.ª Juíza Corregedora Permanente, determinou-se o bloqueio administrativo da matrícula em questão, concedendo prazo para que os interessados tomassem as medidas judiciais cabíveis (fls. 60/61).

A r. sentença recorrida indeferiu o pedido de providências e determinou o cancelamento do bloqueio administrativo (fls. 113/115).

O recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não comporta provimento.

De acordo com o disposto no art. 214 da Lei nº 6.015/73:

"Art. 214 - As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta".

A leitura desse comando legal passa pela compreensão de que, nesta esfera administrativa, somente poderá ser declarada nulidade caso seja constatado vício formal no assento registrário.

Inexistindo irregularidade na inscrição em si mesma, descabe perquirir questões relativas ao título subjacente.

Narciso Orlandi Neto faz bem essa distinção:

"É preciso distinguir nulidade direta do registro e nulidade do título, com reflexo no registro. O registro não pode ser cancelado por nulidade do título, salvo em processo contencioso de que participe o titular do direito inscrito. Em outras palavras, o art. 214 da Lei n. 6015/73 é exceção. E como se sabe se o registro é ou não nulo de pleno direito? Sabe-se que o registro é ou não nulo de pleno direito examinando-o separadamente do título que lhe deu causa, apenas à luz dos princípios que regem o registro, a saber se foram cumpridos os requisitos formais. A indagação da nulidade do registro deve ficar restrita aos "defeitos formais do assento, ligados à inobservância de formalidades essenciais da inscrição (Código Civil, arts. 130 e 145, III)" (Afrânio de Carvalho, Retificação do Registro, in RDI 13, p. 17). ... A nulidade a que se refere o art. 214 da Lei de Registros Públicos é exclusiva do registro, absolutamente independente do título, tanto que, uma vez declarada, permite que o mesmo título seja novamente registrado. ... A nulidade que pode ser declarada diretamente independentemente de ação, é de direito formal, extrínseca. Ela não pode alcançar o título, que subsiste íntegro e, em muitos casos, apto a, novamente, ingressar no registro. ... Problemas relativos ao consentimento das partes, diz respeito ao título, tanto quanto sua representação e a elaboração material do instrumento. Assim, se houve fraude, se a assinatura do transmitente foi falsificada, se o instrumento público não consta dos livros de nenhum notário, se a procuração que serviu na representação de uma das partes é falsa, se o consentimento do alienante foi obtido com violência, são todos problemas atinentes ao título. Podem afetar o registro, mas obliquamente. Só podem determinar o cancelamento do registro, em cumprimento de sentença que declare a nulidade do título e, em consequência, do registro..." (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes, pág. 183/192).

Por outras palavras: a nulidade a que se refere o art. 214 da Lei de Registros Públicos é exclusiva do registro, absolutamente independente do título, tanto que, uma vez declarada, permite que o mesmo título seja novamente registrado.

Somente a nulidade extrínseca ao título causal, ou seja, inerente às inscrições, tais como se encontrem na matrícula, é que permite o cancelamento do registro independente de ação direta (art. 214 da Lei n° 6.015/73). A nulidade de pleno direito de que cuida o art. 214 da Lei nº 6.015/73 é a do próprio registro (não a de seu ato causal), de ordem formal, extrínseca e, por isso, suscetível de ser declarada diretamente em processo administrativo, independentemente de ação judicial (cf. Lei nº 6.015/73, art. 216).

Por essa razão, para o seu reconhecimento deve o vício ser evidente ao simples exame da face das tábuas registrárias, sem necessidade de verificações outras concernentes ao título que, se necessárias, afastam a solução na esfera administrativa, tornando indispensável a via jurisdicional para análise dos elementos intrínsecos.

In casu, diante da inexistência de nulidade exclusiva de registro, eventual nulidade do título com reflexo no registro somente poderá ser perseguida pelas vias ordinárias.

Uma vez lavrado, o registro passou a gozar de presunção de validade e legalidade de que cuida o art. 252 da Lei nº 6.015/73:

"o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido".

A desconstituição dessa presunção na via administrativa só pode ocorrer na hipótese de nulidade de pleno direito prevista no art. 214, da Lei nº 6.015/73, o que, repita-se, não se verifica no caso em exame, porque inexiste qualquer vício extrínseco.

No caso telado, como visto, não se está diante de nulidade de registro, mas de possível nulidade de título com reflexo no registro.

Nos autos do Processo CG nº 1911/96, o então Juiz Auxiliar desta Corregedoria Geral da Justiça, Dr. Marcelo Fortes Barbosa Filho, ao examinar as hipóteses de cabimento do bloqueio administrativo da matrícula, deixou bem assentado:

"Com efeito, o bloqueio constitui uma criação administrativo-judicial, que busca a correção de erro registral pretérito e ostenta certa função acautelatória, impedindo, simplesmente, novos assentamentos sejam exarados com base em registro maculado. A providência se justifica, como o ressaltado nos Processos CG 38/87, da Comarca da Capital e 1.319/96, da mesma Comarca de Cotia, pela possibilidade de ser evitada medida drástica, consistente no cancelamento, desde que se mostre suficiente "para remediar ou prevenir o mal ocorrido ou em potencial". Embora hoje o bloqueio da matrícula conste de texto expresso de lei, a lógica exposta no parecer supra ainda se mantém."

Inexistente, pois, vício inerente ao procedimento de registro, o pleito de manutenção de bloqueio da matrícula nº 20.900 não comporta guarida nesta esfera administrativa e deverá ser perquirida na via jurisdicional adequada.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submete-se à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que ao recurso administrativo seja negado provimento.

Sub censura.

São Paulo, 28 de abril de 2023.

LETICIA FRAGA BENITEZ
Juíza Assessora da Corregedoria
Assinatura Eletrônica

DECISÃO

Vistos.

Aprovo o parecer da MM.ª Juíza Assessora desta Corregedoria Geral da Justiça e, por seus fundamentos, ora adotados, nego provimento ao recurso administrativo.

São Paulo, 09 de maio de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça

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